Burocracia do IPHAN Limita Artistas Locais  

Posted by: Gabrielle Alano in

Mobiliário dos séculos XVIII e XIX, o Museu Regional da Cachoeira oferece a proteção, preservação e gestão dos patrimônios históricos da cidade de Cachoeira – BA e região. Sob administração do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), o museu oferece espaço para exposição de obras de arte ligadas à cultura da cidade, tendo em vista a socialização e divulgação do trabalho de artesãos locais.


O museu também abriga o Programa Monumenta do Ministério da Cultura (MinC), que oferece financiamento para restauração de imóveis públicos e privados localizados em sítios urbanos tombados pelo IPHAN. Mesmo assim, até o presente, somente um edital foi aprovado e poucas obras foram concluídas. Segundo Carlos Antônio Carolino, responsável pela galeria, após finalizar as reformas da Fundação Hansen Bahia, o Monumenta concentra as obras de revitalização na orla de São Felix, sem previsão para outros imóveis.

Conhecido como Galeria do IPHAN, o museu participa atualmente do Projeto Rotas da Alforria que narra a trajetória da população afrodescendente na região de Cachoeira. A exposição está em vigor há cinco anos e constitui um projeto permanente. De acordo com Carolino, após a instalação do Rotas da Alforria nenhuma outra exposição foi autorizada pela instituição, o que impossibilita a divulgação de outros trabalhos regionais.

O artista plástico Renato Kyguera, 27 anos, foi um dos que não conseguiu expor seu trabalho. Ele afirma que existe grande dificuldade em utilizar espaços do governo. Além do IPHAN, o Instituto do Patrimônio Artístico Cultural da Bahia (IPAC) também dispõe de uma galeria não aproveitada. Kyguera conta que chegou a enviar três ofícios com solicitações de exposição, sendo um deles entregue diretamente ao responsável do IPAC, Frederico Mendonça, mas não obteve autorização.

Cachoeirano, Kyguera descobriu aptidão com a pintura desde cedo. Aos 17 anos, iniciou a produção de quadros, ainda que sem interesse comercial. Em 2003, o artista teve oportunidade de apresentar seu trabalho no Pouso da Palavra. Por intermédio de Damário da Cruz, proprietário do local, Kyguera vendeu seu primeiro quadro e desde então têm suas obras expostas. Segundo o artista, a Galeria do IPHAN já apresentou muitos trabalhos interessantes, inclusive de artistas como Pirulito e Suzart, que também possuem trabalhos no Pouso da Palavra. Entretanto, para ele, a burocracia exigida atualmente não se limita apenas a ofícios, mas, sobretudo, contatos influentes.

Em resposta, Carolino admite que a galeria não tem previsão de quando serão aprovados novos trabalhos, uma vez que possui um projeto permanente. Todavia, além da exposição do Rotas da Alforria, peças de artesanato regionais estão sendo comercializados no local. O responsável pelo museu não deu explicações sobre a questão.

Kyguera, assim como outros artistas da região, não vê possibilidades de mudança. A burocracia exigida pelo IPHAN está além de sua compreensão. Quando perguntado sobre os artistas que conseguiram a exposição – Pirulito e Suzart – ele diz: “Eles têm contatos, fazem a propaganda deles. Eu não sei fazer isso”.




Demais informações:

Projeto Rotas da Alforria:
http://www.laced.mn.ufrj.br/arquivos/relatorio_cachoeira_1aEtapa.pdf

Projeto Monumenta:
http://www.monumenta.gov.br/

Alcoolismo: Uma Doença Mental  

Posted by: Gabrielle Alano in

“Um bêbado é um bêbado, não há um modo elegante de dizer isto”. A citação da Associação dos Alcoólicos Anônimos de Cachoeira – BA remete ao sofrimento pelo qual milhares de pessoas passam ao se deparar com a bebida.

Valter Evangelista da Silva, 79 anos, conta sua trajetória desde a adolescência, quando teve o primeiro contato com a bebida, até os primeiros passos para sua recuperação. Aprendeu a beber cedo, principalmente em festas como Carnaval, São João e aniversários. Aos 35 anos, o hábito de beber tornou-se uma dependência que afetava não apenas sua vida profissional, mas, sobretudo, pessoal. Valter também se viciou em cigarro, chegando a fumar cerca de duas carteiras por dia. Mesmo assim, afirma: “O álcool é o pior de todos, pois, antes de matar, ele desmoraliza e joga na sarjeta”.

A luta contra a doença não foi fácil, mas a vontade de crescer trouxe à Valter força para deixar a bebida. Em 1989, ingressou no grupo de apoio Alcoólicos Anônimos (AA), em Salvador – BA, que o ensinou os doze passos para a recuperação. A partir da conscientização, do trabalho em grupo e das palavras de ajuda, Valter pôde controlar o vício e voltar à rotina.

Com o apoio de amigos e familiares, Valter Silva enfrentou a doença e fundou, em julho de 1995, um grupo dos AA em Cachoeira. A associação, atualmente, conta com cerca de doze membros fixos, dentre eles apenas uma mulher. A terapia grupal usa da psicologia para encorajar os dependentes a assumir a doença e tratá-la.

Aposentado, Valter trabalha há 60 anos como fotógrafo “lambe-lambe” no centro da cidade. Quando fala da doença, ele diz “O alcoolismo é uma doença mental, espiritual, reflexiva e de determinação fatal. E como a diabetes, não tem cura”. Após 20 anos sem beber, ele explica: “Tudo está na mente”.

A Rota  

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A gente não tropeça em montanhas, e sim em pequenas pedras”

Após dias de viagem eles deparam-se com uma falha no caminho. A estrada foi desviada, mas ainda não chegou ao fim. As pedras impedem a passagem e o grupo é abalado. É chegado o momento de cada um focar seu objetivo e refazer a trilha, levando consigo apenas o peso que puder carregar em suas costas.

Os mais fortes sempre saem na frente, abrindo rotas e atalhos dentro da mata. Os mais frágeis seguem logo atrás, com o pouco de valores que conseguem levar. A cada passo, um espinho, uma dor, uma inquietação. Os instintos se apuram e as vozes se calam. A comunicação torna-se cada vez mais subjetiva e sensorial entre todos, ao passo que as sombras tomam as vistas com o anoitecer. Os animais gracejam e zombam ao pé do ouvido, e a escuridão não termina ao amanhecer.

O calor lateja nos ombros e braços dos cansados. Os passos tornam-se lentos e pesados, enquanto a mente adormece e a razão se cala. Não há mais empatia. O convívio faz dos fracos iludidos e isolados, em busca de uma saída improvável. O primeiro desiste e assim o grupo se parte. Inevitável.

Neste momento, os lados se formam e as barreiras aparecem. Os desistentes, fracos por natureza, disputam membros e tentam puxar os outros para dentro do buraco consigo. Estagnados, não buscam soluções ao problema. Ao contrário, criam novos e fecham os olhos para as janelas que se abrem. Os relutantes, fortes e condutores de suas próprias bússolas, continuam o trajeto por chãos instáveis, folhas selvagens e caçadores famintos. Não por descaso aos outros, mas por sobrevivência.

Os dias passam e o grupo se afasta. À medida que a lei da selva corrói o juízo, o labirinto se forma mantendo todos lado a lado, quase que por ironia. Os fracos, lentamente chegam. Os fortes já podem descansar. Os galhos e folhas que separam os grupos coçam suas mentes aos poucos. Os animais incitam seus sentimentos e os conduzem à desarmonia.
Não há afinidade ou companheirismo, pois a ocasião se mostra mais importante. Os valores levados na mochila mudam de acordo com o percurso e tudo que pesa é deixado pra trás. A garrafa de água seca, a comida esgota. Os frutos não são acessíveis e todos se tornam presas fáceis ao acaso. O medo entorpece os sentidos e desmente os laços que ainda revigoravam no grupo. Todos correm em busca do Sol e a estrada está perto.

Ainda assim, os ouvidos recusam saber a verdade. O paladar saboreia dos venenos e se ilude na tentativa de ajuda. O cheiro é podre. Não há tato que agüente o peso das dores. Os olhos, sujos de areia, não enxergam a saída. O jogo se forma, e todos acreditam. Correm desnorteados crendo na vitória individual. Enganam-se novamente. E ao se repelirem é que se mostram tão semelhantes. O fato é que a estrada só existia enquanto grupo, e este se quebrou no primeiro obstáculo.

E mais uma vez você passa e não me vê...  

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É estranho.


Desde o começo foi assim. As trocas de olhares e a incógnita. Nunca soube o que você pensava, mas até certo ponto isso não me incomodou. Tivemos nossa aproximação, mas a distância permanece. Tem dias que você chega e me perturba com seus abraços, sua respiração forte no meu ouvido, suas mãos suadas em contato com as minhas. Sinto o desejo em você e isso desperta em mim a mesma curiosidade de experimentar. Outras vezes, te vejo passar e me olhar como se não fossemos nada. E afinal, não somos.

Quando estou a sós comigo mesma você vem e me interrompe. Quando quero te interromper sou eu quem tropeça e sofre. Seu humor, atitudes, palavras são incertas e isso me irrita. Aliás, quem é você? Por que faz isso? A sua subjetividade me intriga e tudo se torna tão escuro e frustrante. Minhas concepções e interpretações não funcionam com você e nada que eu faça te chama atenção. Às vezes penso em desistir, mas é desistindo que você me resgata e me leva para sua teia mais uma vez. E voltamos à estaca zero. Sorrisos, brincadeiras, entendimentos. E quando penso que tudo irá se explicar, que a poeira irá abaixar, eis que ela cega meus olhos novamente.


Ontem, sentada na beira da escada entretida com os livros você passou e seu perfume se fez notar. Levantei os olhos timidamente e você me espiou de canto com um sorriso despreocupado. Resolvi entrar no jogo e não alimentar nenhum tipo de sentimento. Porém, a minha atenção era uma necessidade, mais que isso, uma vaidade sua. Você chegou, beijou-me a face e conversamos por horas. Pensei que estava finalmente te entendendo e me deixei levar pela situação. Mais um engano. Somente eu falava, eu respondia, eu me indignava. Eu, eu, eu! Eu tava lá, mas você não estava. Só ouvia e ria junto, não se manifestava. Queria estar e não se entregava.


A questão é que nem sempre vou estar à disposição de suas vontades. Não quero ser mais uma carta do baralho, e sim a cartada final. Não sei o que você quer ou espera, cansei de tentar descobrir. Você é um mistério, um segredo sem pistas. Uma história pela metade, um verso sem estrofe. Uma série de linhas cujas entrelinhas eu não consigo ler. Por isso eu me despeço e saio de cena. O roteiro já foi escrito e é a sua vez de falar.

Carência de ônibus dificulta locomoção de estudantes  

Posted by: Gabrielle Alano in

A disponibilidade de transporte rodoviário em Cachoeira sempre foi precária, mas o problema se agravou principalmente com a instalação da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB) em 2006. A chegada dos estudantes aumentou o fluxo nas estações, possibilitando uma nova rotina de deslocamento. Mesmo assim, a cidade não acompanhou a demanda local, oferecendo apenas uma empresa rodoviária que não atende a todos os interesses.

A Viação Santana – atual detentora das concessões em Cachoeira – possui linhas para três principais pontos: Salvador, Feira de Santana e Santo Antônio de Jesus. Entretanto, a programação somente dispõe de ônibus a cada três horas para FSA e duas vezes ao dia para SAJ (às 07:00 e 12:20). Dessa forma, grande parte das conduções alternativas – vans, topics, etc – circulam entre as cidades vizinhas no sentido norte (Capoeiroçú/ Conceição da Feira / FSA) e sul (São Felix / Muritiba / Cruz / Sapeaçu / SAJ) com freqüência de 30 minutos, entre às 06:00 e 17:00, substituindo os ônibus convencionais e seguros por veículos de menor porte, porém com horários mais viáveis.


Perda de tempo

A universidade recebe semestralmente alunos de diversas regiões do Estado, tal como Chapada Diamantina, Sudoeste Baiano e Extremo Sul, que necessitam de transporte para outras localidades além do recôncavo baiano e capital. Em vista a carência dessas conduções, os estudantes deslocam-se geralmente à Feira de Santana e Santo Antônio para então direcionarem-se às suas regiões. Em entrevista, alguns alunos afirmaram perder quase um dia inteiro na estrada pela grande dificuldade em coincidir horários entre os ônibus, além do desgaste pelo tempo das viagens.

De acordo com o Secretário de Transporte da cidade, Beto Barreto, o monopólio da Santana advém de alguns anos. Inicialmente, a Viação São Roque detinha as concessões de transporte que posteriormente foram assumidas pela Viação Camurujipe. As permissões do tráfego e instalação somente podem ser autorizadas pela Agência Estadual de Serviços Públicos de Energia, Transportes e Comunicações da Bahia (AGERBA) mediante licitação. A Viação Jauá, que também circula em Cachoeira, oferece a linha Maragogipe-Salvador, mas não possui permissão para utilizar o terminal de embarque e desembarque. A autorização para novas empresas rodoviárias na cidade são pouco acessíveis, uma vez que o contrato com a Viação Santana garante a preferência, segundo Barreto.

A alternativa para o transporte estudantil seria a disponibilidade de ônibus gratuito às regiões circunvizinhas até Feira de Santana e Santo Antônio, que seriam as “cidades pólo” por apresentarem melhor estrutura. Atualmente, o município subsidia uma besta para Feira (de segunda à sexta, duas vezes ao dia) e um microônibus para Cruz das Almas (diariamente, às 18h) aos estudantes de ensino superior, sem qualquer apoio do estado. Contudo, o transporte oferecido pela prefeitura não atende o fluxo de estudantes que se deslocam semanalmente e estes, por sua vez, ficam a mercê da política local.

A Caneta de Cabelinhos  

Posted by: Gabrielle Alano in



Lembro como se fosse hoje minha primeira aula na pré-escola. Todos correndo pelo pátio, ninguém conhecendo ninguém e aquela animação constante. Nessas horas que vejo como é bom ser criança, se enturmar fácil, brigar, discutir e no final voltar a ser amigo como se nada tivesse acontecido. Naquela tarde a professora avisou que iríamos trabalhar com algo novo. Todos estavam ansiosos, mesmo sem saber do que se tratava, mas com a certeza de que seria uma grande aventura. E foi.


A sala era repleta de prateleiras com os mais variados objetos: livros coloridos, potes com canetas e lápis e jogos de montagem. Num canto da sala havia um tapete com muitas almofadas e brinquedos. Na parede, desenhos e colagens, um varal com exposições de figuras feitas de papel. E do outro lado, perto da porta, vários cabides nos quais colocamos nossas mochilas e lancheiras. Tudo era mágico e ao mesmo tempo misterioso.


Sentamos em mesas com cinco pessoas. A professora entregou a cada um uma folha grossa, meio amarelada, e então colocou vários copos nas mesas com os mais diferentes tipos de canetas que eu já havia visto. Sim, eram canetas, mas tinham algo de novo: cabelos. Aquilo foi fantástico!


Canetas que ao invés daquela pontinha redonda que pingava tinta, possuíam mechas de cabelos pretos e castanhos dos mais variados formatos. Alguns eram grandes, largos e com muitos fios, outros eram pequenos e achatados como se alguém tivesse pisado neles. E o mais surpreendente de tudo é que as canetas não tinham nenhum líquido dentro. A professora explicou que deveríamos molhar a parte dos cabelos nos potinhos de tinta e depois passar no papel; caso quiséssemos outra cor, bastava lavar a caneta na água e começar a brincadeira novamente.


No final do dia, quando todos já estavam cansados de colorir seus papéis, minha única vontade era de voltar para casa e contar à minha mãe a grande descoberta. Os momentos com as tintas, o papel, a canetinha. O ir e vir das pinceladas. A alegria e fantasia que me dominaram naquela tarde. A certeza do início de uma longa paixão pela caneta de cabelinhos.